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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

"Incomoda muito mais um casal de gays felizes", diz diretor de "Do Começo ao Fim"


"Existe uma possibilidade dentro das impossibilidades". É com essas palavras que o cineasta Aluizio Abranches ("Um Copo de Cólera") define seu novo filme: "Do Começo ao Fim", que estreia no país no próximo dia 27, depois de ter aberto o festival Mix Brasil, no último dia 14. Os protagonistas são dois meio-irmãos que se apaixonam e se envolvem, inclusive sexualmente.

Abranches disse ao UOL que tinha noção de que o longa causaria polêmica, mas está espantado com a repercussão do filme. "São assuntos delicados, tabus mesmo, a homossexualidade e o incesto. Eu queria fazer algo radical, mas ao mesmo tempo bonito. Os personagens tornam isso possível. A força do filme está na aceitação que eles têm do amor um pelo outro".

O diretor conta que se espantou ao ver tanta gente reclamando que no filme não há conflito. Os dois irmãos aceitam seu amor sem nenhum problema, assim como os outros personagens, que não questionam nem estranham esse relacionamento delicado. "Acho que o público não consegue suportar uma história com final feliz, algo otimista". Mas, alega o diretor, não pense que "Do Começo ao Fim" retrata um mundo cor-de-rosa. "Existem conflitos, existem questionamentos, só porque não estão escancarados. Muita gente está reclamando por causa disso. Mas o que as pessoas querem? Uma tragédia, que os dois rapazes apanhem, morram, só porque se amam?".

O diretor complementa: "O filme tem ética - que ninguém venha me dizer o contrário. O julgamento está do lado de fora, eu deixei isso para o espectador. E descobri que incomoda muito mais um casal de gays felizes do que infelizes. Se eu deixasse um clima pesado, um final trágico, talvez as pessoas não reclamassem. Mas essa abordagem também não me interesante.
A ideia para criar o casal de irmãos, Thomás e Francisco, surgiu na cabeça do diretor, que também assina o roteiro, há muitos anos, numa das vezes em que releu "Os Maias", de Eça de Queiroz. O romance português retrata um amor impossível entre um irmão e uma irmã. Mas Abranches quis radicalizar ainda mais, colocando dois irmãos do mesmo sexo.

Agora, que o filme está pronto e prestes a chegar aos cinemas, o diretor pondera: "Eu queria que as pessoas entrassem mais no filme, na relação dos dois. Que fossem assistir ao longa sem preconceitos. Acho até que 'Do começo ao fim' pode ajudar muitos adolescentes a entenderem a sua homossexualidade e a se assumirem. Se for esse o papel do meu filme, já estou satisfeito".

Abranches defende que, com seu filme, prega um mundo mais tolerante. "O fato de os dois personagens serem irmãos reforça a liberdade homossexual deles. Eu vejo como algo que o destino lhes preparou". Para abordar um tema tão complexo e complicado como o incesto, Abranches cita dois filmes: "Os Sonhadores" (2003), de Bernardo Bertolucci, no qual uma irmã e um irmão têm uma relação delicada e cheia de meios-tons, e "O Sopro no Coração" (1971), de Louis Malle, em que uma mãe e um filho passam uma noite juntos.

Abranches rodou "Do começo ao fim" há exatamente um ano, entre outubro e novembro de 2008, e fez o filme praticamente na surdina. O longa se tornou assunto apenas em maio deste ano, quando um teaser vazou para a internet e despertou a curiosidade de muita gente - nem sempre positivamente. O próprio diretor conta que teve muita dificuldade de conseguir empresas para investirem no seu longa, quando era ainda apenas uma sinopse. "Os patrocinadores se assustavam, ninguém queria colocar dinheiro no projeto", conta o diretor, que bancou sozinho boa parte do orçamento de cerca de R$ 2 milhões. "Eu acredito, porém, que muita gente dizia que não colocaria dinheiro no filme por causa do tema do incesto, mas, na verdade, eles tinham medo mesmo é da questão da homossexualidade", aponta.

Quando finalmente começou a pré-produção de "Do Começo ao Fim", Abranches importou um diretor de fotografia, o suíço Ueli Steiger, que trabalhou em Hollywood em superproduções como "Austin Powers: O Agente 'Bond' Cama", "O Dia Depois de Amanhã" e "Godzilla" - esses dois, de Roland Emmerich, que acaba de lançar "2012". Abranches conheceu Steiger no início dos anos de 1980, quando estudaram cinema na Inglaterra. "Ficamos amigos e sempre nos falamos. Sempre ensaiamos trabalhar juntos, mas nunca deu certo. Desta vez, acabou acontecendo, ele gostou da história e veio para o Brasil filmar comigo. Ele até me disse que abriu mão de fazer '2012' para fazer o meu filme".

Se, por um lado, o tema de "Do começo ao fim" assustou possíveis investidores, por outro, tem feito a alegria de psicólogos e educadores, já que o filme levanta questões complexas e raramente exploradas na ficção. "Eu tenho feito palestras, bate-papos em várias associações", conta o diretor. "Os psicólogos, em especial, gostam de discutir o assunto. Vários me contaram que ainda não existe nada documentado, como sobre o complexo de Édipo".

uol

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