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terça-feira, 28 de julho de 2009

REDE TV É CONDENADA POR DICRIMINAÇÃO A CASAL DE LÉSBICAS

Texto integral da Sentença
Vistos. I. Valéria Melki Busin e Renata Junqueira de Almeida ajuizaram ação indenizatória por danos morais
em face de Celso Machado Vendramini e TV Omega Ltda., alegando, em síntese, que em março de 2002
participaram do programa “Superpop”, apresentado por Luciana Gimenez, tendo sido convidadas “com o
objetivo de ajudar a combater o preconceito sobre união homossexual”. Disseram que durante o programa
foram submetidas a um debate “em clima hostil e desrespeitoso”, sendo exposta a uma situação vexatória
para milhares de expectadores. Relataram que a produção do programa “já havia premeditado toda a
confusão”, tanto que constava no gerador de caracteres “Barraco:Gays brigam para adotar filhos”.
Informaram que durante o programa surgiram discussões, com palavrões, um “show bizarro”, causando-lhes
dano moral, já que são ‘lésbicas, militantes e defensoras da cidadania dos gays, lésbicas e transgêneros”.
Relatou que o réu Celso “ostentava posição preconceituosa contras os homossexuais, aliando-se a co-ré para
expor as autoras a uma situação constrangedora”. Oferecida contestação pela empresa ré TV Omega foi
alegada preliminar de decadência. No mérito, afirmou que as autoras participaram da matéria, em forma de
debate, “por livre e espontânea vontade” e que é indevida a condenação por danos morais. Disse que o tema
é polêmico e que o “intuito do debate foi trazer aos telespectadores um melhor esclarecimento sobre o
assunto em destaque”. Relatou que ã discussão não foi premeditada e que as autoras tinham a opção de não
participar do programa. Impugnou, ainda, o valor pleiteado. O processo foi saneado (fls. 283/284), quando
foram afastadas as preliminares e designada audiência de instrução. Foram colhidos depoimentos e as partes
ofereceram seus memoriais. É o relatório. Fundamento e decido. II. O pedido é procedente. Danos morais, na
definição de Wilson Mello da Silva, citado por Silvio Rodrigues, “são lesões sofridas pelo sujeito físico ou
pessoa natural em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio
material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico” (Direito Civil, Saraiva,
volume IV, pg. 196). O programa, diante de seu conteúdo e maneira como foi reproduzido, causaram danos
morais às autoras. O programa foi dirigido ao sensaciolismo. Já no início as vinhetas apontam o tom do
programa e, antes mesmo que o réu Celso Vendramini fosse chamado, foram lançados na tela os caracteres:
“BARRACO: GAYS BRIGAM PARA ADOTAR FILHOS”. A transcrição do programa e as imagens (DVD e fita VHS)
indicam que o programa, caracteristicamente sensacionalista, foi ofensivo às autoras. As autoras (fato
incontroverso) foram convidadas para participar do programa “SUPERPOP” em razão de matéria informativa
veiculada em revista 19/22, acreditando que o programa seguiria o mesmo formato. Entretanto, o que os
réus prepararam foi um programa apelativo, agressivo e de tom manifestamente sensacionalista. As provas
orais corroboram essas assertivas. A autora, por relevante, afirmou que o réu Celso, assim que recebeu a
palavra, começou ‘ se inflar e trazer informações injuriosas aos homossexuais em geral. Chegava a dizer que
não era obrigado a ver homem pegando no pinto de outro homem na rua e que homossexuais deveriam viver
entre quatro paredes”. Entendeu que Celso “fazia parte da encenação do programa”. E é apenas, isso,
absolutamente isso, uma encenação, um quadro grotesto, do qual as autoras, sem saber e concordar,
fizeram parte. O depoimento do réu Celso não afasta a sua responsabilidade. Disse que manifestou suas
opiniões apenas e que estava ali “como comunicador”. A responsabilidade do corréu Celso Vendramini está
demonstrada. O réu, conhecido advogado, com muitas participações em programas sensacionalistas,
participou do debate simplesmente para começar, iniciar, dar causa ao escândalo. Os fatos não se limitaram
à livre manifestação de pensamento e de opinião, direitos assegurados pela Constituição, mas, sim, ao
excesso, que violou a honra e a imagem das autoras. A TV Omega tem o dever de zelar pelo conteúdo da
programação exibida e é corresponsável pelos fatos. Observo, ainda, que as vinhetas exibidas durante a
entrevista, ao contrário do alegado em defesa, têm alto teor especulativo e, também, pejorativo ao tratar de
uma posição sexual, com tom eminentemente sensacionalista, como já se disse. Aliás, a primeira vinheta já
denota o interesse de provocar escândalo com os fatos e, na verdade, que todo o programa já estava
preparado para esse fim. A responsabilidade da pessoa jurídica, a emissora, decorre não somente do ato do
litisconsorte Celso, equiparado a seu preposto, mas, também, por ato próprio, não somente pelo conteúdo do
programa e, mais do que isso, porque as autoras foram convidadas para um debate e acabaram sendo
vítimas de uma encenação, para causar escândalo e segurar o público através do tom apelativo e grotesco.
Outrossim, o argumento de que as autoras poderiam nem ter entrado no programa ou dele saído não pode se
sustentar, pois isso não afasta a falsa promessa da ré e o constrangimento a que já estavam sendo
submetidas às autoras. Aliás, o aviso a poucos minutos do programa de que haveria acirrado de debate com
a participação de um advogado de opiniões fortes e de que “não deveriam baixar a cabeça” indicam que
realmente o programa era destinado a causar clamor. Ora, as autoras foram inseridas em um show de mau
gosto, pré-estabelecido, com a participação do réu Celso, que agiu, na verdade, como se fosse um preposto,
um contratado da Rede TV, ou, como prefere, “um comunicador”. Se não fosse assim, porque as vinhetas já
prontas, o convite ao advogado Celso, a advertência de um funcionário para “não baixarem a cabeça”, leiase,
entrarem no confronto, tudo para o deleite e sátira do público. Os fatos ofensivos atingiram a honra das
autoras, não somente pelo tom pejorativo como foram tratados os homossexuais, mas, também, porque
foram envolvidas em um programa sensacionalista do qual não tinham sido avisadas devidamente. As
testemunhas Ana Elisa e Maria Evangelina trouxeram para os autos informações a respeito de outros
programas envolvendo a Rede TV em programas semelhantes, assim como o constrangimento e repercussão
para as autoras. Ana tomou conhecimento de que a produção já havia preparado um “barraco” para ir ao ar e
Maria relatou que “o problema do programa em debate não foi da existência de simples oposição, mas de
ataques caluniosos e pessoais contra os homossexuais presentes, na tentativa de transformar o evento em
um espetáculo”. Anote-se que não se discute nestes autos opção sexual, opiniões, mesmo contrárias ao
homossexualismo, até porque ninguém é obrigado a ser simpático a qualquer causa, ou mesmo a existência
de lei que regulamente uniões que não sejam de homens e mulheres. Realmente, questões ligadas ao
homossexualismo são bem controvertidas e opiniões contrárias à livre manifestação pública de atos
afetuosos, às vezes com mero intuito de causar, de igual forma, sensacionalismo, devem ser admitidas no
regime do estado democrático. Agora, o que não é possível, como fizeram o réus, é utilizarem-se de
homossexuais e suas causas em debates sensacionalistas, vexatórios, com mero intuito de diversão, através
de chacotas grosseiras e, por tudo isso, discriminatórias sim. Se o réu Celso entende que os homossexuais
devem ser reservados em suas manifestações, embora, diga-se, sua responsabilidade não decorre de suas
opiniões, deveria seguir seu próprio conselho, ao invés de ir a um programa de televisão incitando pessoas,
através de palavras e gestos agressivos, resultando também em ofensas às autoras. Aliás, é apresentado
para tanto como advogado do Tribunal do Júri. Os fatos sem dúvida causaram danos às autoras. Reconhecida
a ação, o nexo de causalidade e a culpa, resta apreciar o dano. Em sede de dano moral cabe ao juiz a sua
fixação, atendendo às peculiaridades de cada caso, seja valendo-se de uma interpretação analógica à Lei de
Imprensa, quando o arbitramento passa pela intensidade do sofrimento, gravidade dos fatos ou sua natureza,
bem como o grau de culpa e condição econômica das partes, como apontou Carlos Alberto Bittar (Reparação
civil por danos morais, 2ª edição, RT, pg. 212), inclusive trazendo jurisprudência a respeito (RT 602/108;
613/184 e 659/143), seja valendo-se da experiência comum, quando os requisitos acima também são
valorados. No caso sub judice a indenização, diante do ato doloso e da culpa grave da emissora, sem falar na
grave repercussão negativa dos fatos para as autoras, fixo o valor indenizatório no montante de oitenta
salários mínimos, valor a ser repartido, em iguais proporções, para as autoras. O salário mínimo deverá ser
calculado de acordo com o valor à época dos fatos, corrigido monetariamente e com juros de mora. Os réus
são solidariamente responsáveis pelos fatos, pois se trata de ilícito praticado em concurso, nos termos do
artigo 1518, parte final, do Código Civil. III. Ante o exposto, julgo procedente o pedido e condeno os réus a
pagar, solidariamente, a importância equivalente a oitenta salários mínimos, valor a ser repartido, em iguais
proporções, para as autoras. Arcarão os réus com o pagamento das custas, despesas processuais e
honorários advocatícios, os quais arbitro em 15% do valor da condenação. P.R.I. Barueri, 8 de julho de 2009.
MARIO SERGIO LEITE

Juiz de Direito

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