Em 2002, a drag Nany People foi convidada para participar do reality show Casa dos Artistas, no SBT. Negou. Afinal não queria aparecer de homem na televisão. Oito anos depois, já como mulher transexual, ela apareceu linda, siliconada e desbocada na terceira A Fazenda (Record). Quinta eliminada, há quem diga que o programa valeu somente até a sua participação, repleta de gargalhadas, brigas e cuidado de mãe com os participantes. Na Casa dos Artistas você disse que entraria como Nany e acordaria como Dunga, mas atualmente você é 100% Nany. Como se descobriu transexual?Eu sempre soube. Quando eu tinha uns quatro anos já era bem visível essa minha condição. Com seis anos eu mudei para Poços de Caldas e foi um choque. Na escola, eu não pude sair no recreio no dia seguinte. Todo mundo percebeu que eu era muito diferente dos meninos e gritavam “mulher do padre, mariquinha”. Não era nem bullying, era Tieta sendo escorraçada mesmo. Minha mãe foi até chamada e eu não pude ficar na escola. Fui para um colégio de padre e lá eu descobri a carreira artística. Você se montou pela primeira vez com quantos anos?Com 18 anos eu me montei em Poços. Era um bloco de carnaval de caricatos, mas eu fui de bonita. Meu irmão foi para brincar, mas eu fiz a gostosa, eu acreditava. Ali não parei mais. Quando tinha festa a fantasia de aniversário, eu ia de mulher. Eu me realizava e me realizo até hoje. Lembro que na Fazenda, depois do trabalho árduo que a gente desenvolvia todos os dias, eu me maquiava. Neste momento, o Carlos Carrasco dizia “Nany, é o seu melhor, né?” É aquele lance de olhar para o espelho e dizer: Hora do show pessoal!Hoje a Nany People é uma personagem ou é seu alter-ego?A priori era um personagem. Mas eu consegui fazer uma coisa que pouca gente reconhece. Eu trouxe para a Nany People os dotes éticos, morais e pessoais do ator que a faz. Porque tanto como Drag ou como trans eu não correspondia a expectativa do que achavam que fosse. Não fiz o que esperam que uma trans faça, que é andar com o peito na bandeja. Na Fazenda, mesmo, os vestidos eram todos no joelho.Você foi uma das primeiras drags a querer colocar peito, investir na aparência 100% feminina. Foi difícil?Foi muito difícil, pois isso implicava muita coisa. Implicava, além de uma mudança radical no meu jeito de ser, na minha própria sobrevivência. Eu deixei de ser drag e a comunidade gay reagiu muito mal. O público em geral achou um absurdo. É por isso que eu faço uma critica à comunidade GLS, que fala sempre em respeito. Como é que querem ter respeito, sendo que não respeitam a própria classe? Quando decidiu definitivamente assumir a Nany transexual?É assim: Quando você tem 20 faz tudo para ser aceito. Com 30, você olha para o seu umbigo. Com 40, quando você descobre que a metade da ampulheta já caiu a areia, você não pode mais fingir que sabe, você tem que estar declamando. Então quando eu cheguei perto dos 40 eu disse: Não quero fingir que eu tenho, quero estar possuindo. Fui para Portugal fazendo uma matéria e voltei deprimida, porque eu estava namorando um cara, que sempre me via montada e bonita. Quando eu cheguei de viagem, ele foi me visitar sem me avisar. Ao abrir a porta, ele perguntou: “Por favor, a Nany está?” Pensa bem, ele conhecia a Morticia, daí a abre a porta e aparece o Tio Chico. Tive uma crise e decidi fazer as mudanças. E a cirurgia de transgenitalização?ENTÃOOO... a cirurgia é igual a fazer lipo, mas ninguém fala do pós. Tenho uma amiga que fez buceta há 8 anos e não conseguiu dar até hoje. Quando alguém fala que é trans não é porque cortou, que tem o papel masculino na cama. Ser trans tem a ver com o seu comportamento. Me perguntaram se eu era ativa, e eu respondi: “Sim, eu dou primeiro”. Eu ia fazer uma cirurgia com 28 anos, mas minha mãe pegou um ônibus e disse: Pelo amor de Deus, não faça isso. Se você acha que buceta prende homem, buceta não prende ninguém. Aí eu entendi. Você tem uma personalidade forte, não pensou que participar de um reality show fosse prejudicar sua carreira?Sou respeitada na minha vida pessoal justamente por ser assim. O problema é que na televisão tudo fica muito maior. Tenho como filosofia de vida que as pessoas fazem com a gente o que a gente deixa. Chegou a ver alguma coisa antes do programa?Não cheguei a ver nada. Procurei um vídeo no Youtube e vi a briga do Theo Becker. Achei uma bobagem. Mas quando você está lá, descobre que qualquer conceito daqui não se aplica. Lá é outra coisa. Ficar sem água, sem gás, com um microfone gritando na sua orelha não era tão simples. Vi que temos uma sociedade muito complicada, serviu para confirmar a tese: vivemos numa total inversão de valores. Quem é bom é idiota. Quem é honesto é babaca. Quem é carinhoso é carente. Quem fala a verdade é besta. A gente criou um comportamento de transgredir tanto que a transgressão hoje em dia é normal.
pride
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