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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Autor de peça sobre travestis religiosas diz que Nossa Senhora é a face feminina de Deus


Em 2010, Belém do Pará contou com um musical no mínimo polêmico: Ópera Profano. A premiada peça, escrita por Carlos Correia, traz travestis e garotos de programa aliados à religiosidade de Nossa Senhora de Nazaré. Ou seja, as travestis, ao contrário de qualquer estereótipo direcionado ao grupo, propagam o arquétipo da maternidade da santa. Em entrevista ao Mix, o dramaturgo, poeta e romancista Carlos Correia fala sobre a peça, a relação de suas obras com a comunidade LGBT e sobre o blog Mesmo que Não queira Eu te Contos, em que reúne os melhores contos, muitos sobre o público gay. Para ele, Nossa Senhora é a face feminina de Deus. Veja:Carlos, antes desse musical, você já abordou a comunidade LGBT nos seus textos e produções?Sim, tenho vários trabalhos em que mergulho na temática LGBT. O início dessa relação literária foi com o prêmio que ganhei em 1999 no concurso de textos do gênero promovido por uma editora carioca, a Litteris. Mas ainda era um início tímido. Outro momento marcante é com a peça NU NERY, um texto no qual revisito a vida e a obra do célebre poete e artista plástico Ismael Nery. A dramaturgia investiga a relação artístico-afetiva que Ismael travou com sua esposa Adalgisa Nery e com o amigo do casal, o poeta mineiro Murilo Mendes. Há uma tensão homoafetiva na relação entre os dois. Em Ópera Profano, os símbolos considerados marginais estão aliados a outros considerados divinos. Como surgiu essa ideia? Nasceu da minha inquietação. Sou inquieto. Eu quero falar. Quero meter meu bedelho. E a dramaturgia é uma ferramenta sine qua non para isso. Desde adolescente sempre me inquietou, por exemplo, o fato de que aqui em Belém existir um célebre cinema de filmes pornográficos que fica bem em frente à Basílica Santuário de onde sai e onde termina o famoso Círio de Nazaré. O cinema é um ponto de encontro de gays, garotos de programa, travestis, toda a fauna dos ditos excluídos, e também pais de família que escondem seus desejos homfoafetivos e os liberam no cinema. Seres que usam as sobras do cine Ópera para saciar seus prazeres, suas carnes. Tudo isso bem em frente ao símbolo do divino. Isso é super latino-americano!Mas você não parou por aí. Trouxe a polêmica presença de Nossa Senhora...
É o eterno embate entre o sagrado e o profano. Então pensei: e se tudo isso se misturasse? E se Nossa Senhora entrasse nesse cinema? Esses travestis, esses garotos de programas, todos esses gays são tão filhos de Deus quanto quaisquer outros que acompanham o Círio. Então nasceram as cenas, a obra, a dramaturgia que criada sob forma de musical para metaforizar o nome do cinema Ópera, Cine Ópera. Há cinemas como o Ópera em todo o Brasil e é, portanto, uma história brasileira. Unir grupos tão discriminados como travestis e garotos de programa à religiosidade gerou polêmica. Houve rejeição do público de Belém? A peça é um sucesso. Mas as manifestações de intolerância acontecem sempre. Pessoas que se levantam e se retiram, aviltadas. Pessoas que fazem comentários pesados na internet. Mas também pessoas que se comovem, que se encantam, que se permitem entender. Porque, no fundo, a questão é essa: permitir-se entender. Você procurou humanizar esses personagens marginais. Como se deu esse processo? A peça discute, acima de tudo, o colossal arquétipo da mãe. As três travestis em cena são, falam, tratam ou explicitam aspectos da maternidade. E eu quis criar esse choque: quis fazer a platéia entender que o materno pode sim estar num travesti. Nossa Senhora é a grande representação do materno. O garoto de programa é a voz da ira. Foi violentado quando adolescente pelo padrasto. A cena mais dramática da peça se dá quando o garoto volta ao passado e conta como foi violentado. Sombras invadem o palco e copulam com ele a força. Sombras do padrasto Além da questão maternal, elas também são religiosas...As três travestis em cena são religiosas, profundamente religiosas. A que está morrendo, vítima de HIV, sonha em se aproximar da Santa porque foi rejeitada por sua mãe. Ela acredita que a Virgem, sim, é capaz de entendê-la. Tem a travesti que cuida de todos e que esconde um segredo: tem um filho. Com tantos símbolos polêmicos, a peça não chega a cair no sensacionalismo?Sempre tive muito receio disso. Nunca quis que a peça virasse um mote escandalizante, algo que chamasse a atenção meramente pelo jocoso. A minha grande alegria é ver que tenho conseguido isso. Primeiro quando o texto ganhou o Prêmio Cidade de Manaus. Talvez para o resto do país seja difícil entender isso, mas Belém e Manaus têm pelejas históricas. Dificilmente uma abaliza a outra. Quando ganhei o prêmio em Manaus, já pude perceber a força que o texto tinha para quebrar preconceitos. Depois ao ver as pessoas saírem emocionadas, mexidas, tocadas. Mais que buscar polêmica, a peça é um grito de humanização. Você é religioso?Sim, sou sim. E isso é que é bacana. Acredito em Deus, Nossa Senhora de Nazaré. Sou daqueles que acompanham o Círio, que se emocionam com a passagem da Santa na berlinda. Eu acredito em Deus, mas num deus que é também Deusa. Acredito numa força criadora que é hibrida e entendo Nossa Senhora como a face feminina desse Deus.
cultura gls

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