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sexta-feira, 15 de julho de 2011

Peça conta drama gay dentro de apartamento de São Paulo



“Alguma coisa aconteceu comigo. Alguma coisa tão estranha que ainda não aprendi o jeito de falar claramente sobre ela. Quando souber finalmente o que foi, essa coisa estranha, saberei também esse jeito. Então serei claro, prometo.” O trecho da carta escrita por Caio Fernando Abreu (1948 – 1996) publicado no jornal O Estado de São Paulo em forma de crônica na época que se descobriu portador do vírus HIV é uma das três cartas que abre a peça “Dizer e não pedir segredo”, peça de estreia do Teatro Kunyn, que tem entre seus artistas Luiz Fernando Marques, diretor do cultuado Grupo XIX de Teatro.Junto com os atores Paulo Arcuri, Ronaldo Serruya e Luiz Gustavo Jahjah, o diretor mergulhou nas histórias e estórias da homossexualidade para conceber um singelo retrato das questões homofóbicas, vividas, sentidas e contadas no decorrer das décadas passadas. O grupo recebe o público numa sala com bebidas e petiscos, para – de forma aparentemente despretensiosa - vivenciar junto com o próximo o universo da homossexualidade e suas implicações. A peça foi concebida para ser apresentada em qualquer espaço e portando acessórios cênicos e a iluminação são mínimos e manuseados pelos próprios atores e por parte da platéia.São histórias soltas e depoimentos que ditam o decorrer da peça que alterna bons momentos com outros mais pretensiosos e que acabam destoando do todo. Essa propositada falta de unidade embola a narrativa - justamente quando ela se pretende séria. Traçando paralelos como “Luiz Antonio-Gabriela” e “O amor que (não) ousa dizer seu nome”, “Dizer e não pedir segredo” fica no meio termo. Não alcança com plenitude o lirismo e a subversão do primeiro e nem se torna apático e formal com a seriedade do segundo. Mas levando-se em conta que os três trabalhos receberam verba do Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo – PROAC, algumas associações são permitidas.O tom confessional está presente, mas não se torna claro para o espectador tais escolhas. Arriscando um palpite, poderíamos dizer que Paulo Arcuri está presente nas cenas de maior romantismo e sentimentalismo, Jahjah fica com a sempre bem vinda – e necessária – ironia e Ronaldo Serruya com os textos mais verborrágicos e questionadores, esse último também responsável pela dramaturgia da peça. Mas o grupo não assume o tom da confissão. Não de forma a se expor. São sátiros rindo de si mesmos e do público gay presente na plateia.Há ótimos momentos, como a cena dos amigos do time de futebol e da Lu patinadora. Jahjah protagoniza outro momento bem interessante que é sobre as diversas teorias que cercam a (homo)sexualidade. O deboche, a ironia e as metáforas expressas ao som de Xuxa Meneghel fazem falta no decorrer da peça. O público assiste algumas cenas com uma “dramaturgia” que mais empaca a fluidez da peça ao tentar abraçar – o que é bem difícil, convenhamos - as diversas questões que o assunto renderia - como a cena que faz referência a um suposto Jesus gay. Não precisava.Marques não abre mão da seriedade – no sentido de imprimir um tom mais formal - com que dirige seus trabalhos, do tom confessional e nem da “batida” interação com o público, convidado a expor sua intimidade numa espécie de catarse coletiva. Praticamente uma “marca” presente em todas as direções assinada pelo artista. Surte efeito, mais é chato, beira o clichê e o diretor já mostrou que constrói belas cenas sem esse recurso. “Dizer e não pedir segredo” emociona o público e a proximidade e a intimidade da relação artistas x público é percebida e vivenciada por todos. Tal qual a peça que alavancou o nome de Marques, chamada “Hysteria”.Essa histeria nas bichas que dublam uma música escondida dos pais, que usam assessórios da mãe, que são vistas como perigosas, invejosas, e inconseqüente, e que enfrentam a sociedade, faz falta no final da peça. É justamente a quebra com qualquer obviedade que está presente em alguns momentos que faz a graça da peça, que a diferencia de outras com a mesma temática. A peça termina e o tom é de introspecção e não de alegria, sátira e/ou deboche como se vê em alguns momentos. É, parece que “dizer” ainda é repetir um segredo.Lutando contra essa sensação do “menino quem um dia fui e que carrego comigo” fui embora cantando “La, Le, Li, Lo, Lu patinadora”, por que como diria o próprio Caio F.: “Quando não há remédio, há melhor saída é o deboche”. Que assim seja.“Dizer e Não Pedir Segredo” : Sextas e sábados, 21hEspaço Ivo 60: Rua Teodoro Baima 78 – Centro Tel.: (11) 8564-4248 R$ 20


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