No panfleto distribuído nas apresentações de “Navalha na Carne” a produção ressaltou uma citação do autor Plínio Marcos (1935-1999) sobre a peça: “O texto se tornou um clássico porque o país não muda”. Pode até ser, mas nessa nova versão dirigida por Rubens Camelo pouca coisa se vê de novo na encenação. Talvez não haja muito o quê acrescentar de novidade, a não ser (re) trabalhar as relações, pra daí (re) surgir toda a miséria humana retratada nos personagens do autor.O personagem Veludo (Rubens Queiroz), um homossexual misógino, drogado e decadente é praticamente um clássico da dramaturgia nacional. Na peça em questão é por causa dele – e de suas ações - que se ocasiona todo conflito da peça. Queiroz traz à cena um gay afetado e histérico, estereotipando trejeitos, sem poder avançar muito, servindo de escada para o casal protagonista duelar. Em um ou dois momentos, a peça “respira”, e a relação de Veludo com Neusa Sueli (Marta Paret) e Vado (Rogério Barros) ganha nuances interessantes, mas a direção não se preocupa com o que poderia ficar subtendido no texto, e parte para o impacto da agressão física.É uma escolha, uma possibilidade de se ler a obra de Marcos, porém a opção que deixa de lado é a mais interessante e angustiante das opções: o que pode haver por trás das relações desses três personagens a margem da sociedade. Veludo e Neusa são “farinha do mesmo saco”, mendigam o afeto alheio, pagam para obter sexo, pois é a única forma de se ter consolo. Ambos marginalizados por uma sociedade corrompida pelo dinheiro e pelo status. Quem quer transar com uma prostituta e uma bicha?Hoje (e sempre), muitas pessoas. Até porque homossexuais e prostitutas deixaram de ser apenas depósito de doenças sexualmente transmissíveis e marginalizadas em toda esquina e hotel barato. Talvez o texto (a primeira montagem data de 1967) nesse sentido sofra sinais de estar datado. Mas não deixa de ser um belo exercício para os atores, um exemplo de carpintaria teatral cortante e ágil e um retrato pungente e significativo de uma sociedade que continua negando os seus e usufruindo um dos outros, pois assim é mais fácil obter as coisas.O cenário e figurino de Jackie Sperandio funcionam (a tal Caixa Cênica do SESC Pompéia é um “luxo” da instituição, já que o espetáculo poderia muito bem ter funcionado no novo espaço cênico da unidade), porém “desaparece” em função da direção, que privilegiou o embate corporal entre seus atores. Há quem goste e quem se impressione, mas em muitos momentos o resultado resvalou em histeria e marcações que procuravam impressionar pela agressividade.Barros soube aproveitar melhor seu personagem, principalmente quando deixa de lado a brutalidade e compõe seu personagem com risadas irônicas, sedução e deboche. Dos três é o que melhor se apropria dos subtextos do autor. A direção não ignora a beleza do ator e um dos pontos positivos, talvez seja o de (tentar) seduzir a platéia. A miséria da prostituta de Marta ganha humanidade na cena final, quando é deixada literalmente de quatro, pelo homem que ama.A montagem carioca é bem cuidada, um trabalho que talvez fosse mais interessante ambientada – realmente – num hotel decadente do centro da cidade. Na estréia um dos atores pede para a primeira fileira tomar cuidado: “É muita realidade”, informa. A Navalha na Carne está lá, manuseada pelo atores, faltou a principal, aquela que corta de mansinho o público.“Navalha na Carne” – até 11 de junhoSesc Pompéia: Rua Clélia, 93 – Pompéia R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia)Tel.: (11) 3871-7700Classificação: 18 anos.
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