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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Escritora fala ao Mix sobre importância do Dia da Visibilidade Lésbica



Quando se pensa em literatura homossexual logo vêm à cabeça nomes como Caio Fernando Abreu, Oscar Wilde, Glauco Matoso ou Jean Genet, dentre tantos outros escritores assumidamente gays. Mas não se pode esquecer que a Literatura é feita de histórias e personagens dos mais diversos, e que as lésbicas também escrevem e são objeto de escrita. Para falar mais sobre isso no Dia da Visibilidade Lésbica, este 29 de agosto, o Mix conversou com Laura Bacellar, editora e escritora que enfrenta os desafios de ser lésbica, escrever sobre isso e fazer com que as pessoas se interessem por obras de temática homossexual feminina. Ela é editora da Brejeira Malagueta (www.editoramalagueta.com.br) e uma das autoras do livro “Frente e verso - Visões da lesbianidade”, que ganha lançamento nesta segunda-feira, a partir das 18h30, na Livraria Cultura, loja das Artes no Conjunto Nacional, em São Paulo.Qual o significado de um Dia da Visibilidade Lésbica? É relevante?É muito relevante, porque de todas as minorias sexuais as lésbicas são as mais invisíveis. Primeiro por serem mulheres, e ninguém nessa nossa sociedade fala muito de mulheres em si, a preocupação é sempre sua relação com homens ou filhos. Depois que são homossexuais, um segmento de gente mal compreendido e sujeito a mil preconceitos. As mulheres, assim, são convidadas a ficar caladas sobre sua sexualidade e sobre seus amores, uma tendência que dá muito trabalho reverter. Mas é necessária para que homossexuais consigam ter uma vida mais aberta e feliz.Como você definiria a atual realidade da lésbica brasileira? Avançamos? Regredimos?Avançamos, não há dúvida. Homofobia já virou um termo de uso comum (infelizmente seu significado permanece também muito conhecido de lgbts brasileiros), as paradas se multiplicam e facilitam o entendimento pela população de que as minorias sexuais existem e não são tão esquisitas quanto imaginavam, há uma abordagem mais natural de gays e lésbicas pelos meios de comunicação. Mas lógico que ainda falta muito, e as lésbicas jovens, estudantes, as religiosas, as casadas ainda sentem uma pressão absurda para se calarem e se conformarem ao molde dito "correto" de comportamento.Qual é a principal demanda da população de mulheres lésbicas brasileiras neste momento?Serem reconhecidas, terem espaço para se encontrarem, falarem, verem umas às outras. Querem ter modelos de lesbianidade positivos, querem não ser atacadas ou violentadas ou sofrer quaisquer outras violências ainda se praticam contra mulheres homossexuais.

Como a Literatura pode ajudar na luta pela cidadania lésbica?A literatura abre espaço no imaginário para cenários novos, para o exercício de maneiras diferentes de sexualidade e afetividade das expostas pela maior parte dos veículos de comunicação. A literatura permite que muitas leitoras se reconheçam nas histórias, que vejam seus dilemas retratados e que assim se sintam parte de um grupo em lugar de isoladas e diferentes. É um mecanismo muito poderoso de consciência e autoaceitação.Quais os principais desafios em se manter uma editora com títulos LGBT?Divulgar a editora quando há poucos meios que resenhem livros atualmente, e distribuir os livros em livrarias cada vez mais sem espaço e mais atulhadas de outras coisas que não livros. Fora que são pouquíssimas as livrarias com seções lgbt ou de sexualidade ou seja lá o que for. Os livros ficam perdidos naquele mar de publicações e não são encontrados pelos leitores que seriam seu público.Você já sofreu preconceito por editar livros de temática homossexual?Ah, sem dúvida. Muita gente do meio acha que literatura lésbica (e gay também, se não for sofrida e não acabar com todo mundo infeliz e morto) é uma subliteratura, um gênero que já chamaram de "folhetinesco" quando não de coisa pior. É engraçado que, quando alguém publica uma história de amor e sexo hétero, ninguém acha nada. Quando o tema é gay, vira fraquinho e sem conteúdo imediatamente...No que você pensa na hora em que vai escrever para sua leitora ou seu leitor?Eu penso em dizer algo que faça diferença, que a leitora fique feliz ou incomodada ou interessada em ler, mas que ela não encontre em outros lugares.Você acredita que homens também lêem livros de temática lésbica? Por quê?Sim, há muitos simpatizantes, muitos mesmo, que acham ridículo o preconceito que circula em nossa sociedade. E também há homens que se interessam em saber mais do universo das lésbicas. A nossa autora Rafaella Vieira, que escreveu “Depois daquele beijo”, um romance entre garotas adolescentes, tem tido resenhas em blogs os mais variados. Muita gente declara ser este o primeiro livro de temática homo que já leram, e que gostaram.Como são selecionadas as obras que serão publicadas na Malagueta?Nós nos interessamos por obras que prendam a atenção, tenham qualidade narrativa, personagens consistentes, tramas bem amarradas. E que retratem de forma interessante algum aspecto do universo das lésbicas, seja de que parte for do Brasil, seja de que idade ou condição social a autora escolha descrever.Escrever para você é uma terapia contra tantas coisas chatas da vida real?Sem dúvida. Quando a gente se sente inundada pela bobajada que dizem por aí, escrever algo a respeito dá um certo controle, alivia a situação.Você sente falta de personagens lésbicas na televisão?Como todo mundo que é lgbt. Cansa aqueles personagens que mal se tocam, que se olham a distância, que não expressam afetividade, não é mesmo? Que ridículo não mostrar afeto entre pessoas do mesmo sexo, como se fosse doença. Eu tenho certeza de que essa história de não mostrar beijo gay, beijo de lésbicas na TV vai ser considerada medieval daqui a uns dez anos, uma loucura incompreensível para as próximas gerações.O que achou do fato de o primeiro beijo gay na televisão ter sido entre mulheres?Pois é, rola o entendimento que o público se ressente menos de ver duas mulheres do que dois homens juntos. Bom, é melhor começar por algum lugar do que não fazer nada, então o beijo teve seu aspecto positivo, mas achei ruim a postura dura das atrizes, as falas bestas, o fato de as duas se vestirem de maneira convencional (e bem hétero), o fato de uma se apresentar como relutante e não querer dar qualquer continuidade ao contato. Mais uma mensagem de que é preciso reprimir a expressão do afeto.O que esse beijo representou realmente para o Brasil?Ah, foi bom para levantar discussões, teve mais vida nos blogs e sites do que na novela, mas tem chão para algo assim representar os 10% das mulheres homossexuais brasileiras, não?E como a eleição de uma mulher para governar o País pode ajudar a realidade das mulheres lésbicas?Uma mulher no poder não necessariamente ajuda as mulheres, ainda mais se ela entra no jogo como os homens. A Dilma levou uma série de mulheres para seu círculo de poder em Brasília, o que é bom em teoria, mas não se pronunciou claramente a respeito de nada em favor dos homossexuais e tem cedido vergonhosamente à pressão da bancada evangélica. O veto ao kit contra a homofobia que era para ser usado nas escolas foi um vexame, mil pontos negativos na minha medição da presidente. Parece que ela tem medo de ser vista como lésbica e faz questão de se distanciar de nossas questões. Se ela é hétero, não parece considerar as lésbicas merecedoras de sua atenção. Se ela é lésbica, faz aquele gênero trancada dentro do armário que nos trata mal para mostrar ao mundo que não tem relação com a homossexualidade. Uma pena.


cio

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