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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Conversamos com o dono da Blue Space sobre os 15 anos da casa, confira


Quando abriu a Blue Space em São Paulo, o empresário Vitor Sofredini acreditava que sua casa duraria no máximo três anos, mas ele viu esse prazo ser multiplicado por cinco e agora prepara seu mundo azul para o aniversário de debutante – que, claro, vai contar com o nonsense, logo hilário, futebol das drags. Ícone máximo dos shows transformistas, a Blue pode ser chamada de exceção em um ramo de negócios tão efêmero quanto a diversão que proporciona.O dono da casa azul de esquina mais famosa da noite paulistana, que chegou a ter outra iniciativa gay – sem sucesso – antes da Blue, credita o sucesso ao investimento constante em melhoria da infra-estrutura, ao esmero com cada detalhe dos shows de drag e à atenção constante ao som que está tocando na pista. “Penso em todos os segmentos, afinal o show é 40 minutos, e as pessoas ficam na casa cinco, seis horas.”Na entrevista a seguir, Vitor relembra os melhores momentos desses 15 anos de história e mostra sob qual ritmo dançam os pelo menos 17 profissionais responsáveis por colocar a casa em funcionamento todo sábado e domingo – o dia mais famoso. Confira o bate-papo que a gente teve com ele em seu escritório na casa azul em uma chuvosa tarde paulistana. No álbum, momentos marcantes dessa trajetória: Aniversário da Blue é sinônimo de futebol das drags, que dia vai rolar neste ano? Este ano o aniversário vai ser depois do Carnaval, que é no começo de março. Nunca cai em março, mas neste ano caiu. Vamos fazer o aniversário nos dias 19 e 20 de março, sábado e domingo. Vai ter o futebol no domingo à tarde. A gente já realiza isso há 15 anos, desde o primeiro ano a gente faz o futebol.Como era aqui há 15 anos? Por que você decidiu abrir a Blue neste endereço? Na verdade já tinha uma boate gay aqui que chamava Anjo Azul. Fechou, não rolou. Tinha clube nos Jardins, você ia lá no Massivo por exemplo, não tinha estacionamento. Então você acabava achando um lugarzinho na rua, pagava trinta reais pro cara cuidar do seu carro, e ele nem cuidava. Então muita gente deixava de ir pra boate, porque naquele tempo não era chamado de balada. Aqui era bom, tinha estacionamento para mil carros na rua. A Anjo Azul chegou a fechar e você abriu ou continuou as atividades dela?Fechou e já estava há um tempo fechada, não lembro quantos meses. Então o povo tinha até esquecido, nem chegava a lembrar muito. O forte da Anjo Azul era no domingo, por isso que eu comecei no domingo também. Falei: vou dar uma continuidade no trabalho, só que sempre visando essa linha de shows. Eu sempre gostei muito de shows, e na época que eu abri a Blue São Paulo estava muito carente de shows, não tinha mais nada na verdade. Desde o primeiro domingo eu comecei já com balé, com bastante humor, que eu sei que o público gosta. Fazendo uma coisa um pouco diferente.Você sempre acreditou no potencial do show de drag, na coisa teatral em cima do palco mesmo em uma época na contramão.Sabe o que acontece? Alguém tem que manter a tradição. O show de drag é uma cultura quer não pode parar. Hoje é drag, antigamente era transformista, hoje tudo é drag, até as humoristas. Não pode parar essa cultura, é uma coisa forte, bonita nossa, tanto que eu nunca parei. Mesmo nos momentos em que ouvia coisas como que eu era retrógrado, que estava investindo em shows quando ninguém mais fazia isso.Mas se você investe é porque tem uma demanda do público, não é?Sim, tem um público que consome esse tipo de espetáculo. Tem quem gosta e tem quem não gosta, essa é a verdade. A Blue é uma opção de onde vai ter esse show. Mas ao mesmo tempo a gente não descuida do som, temos grandes DJs como o Robson Mouse, o Hebert Ton e o Breno Barreto. Não descuidamos da pista, da qualidade do som. Eu reputo como um dos melhores sons de São Paulo. Na iluminação nós temos um show room. Tem um painel de led de alta definição na cabine que poucos clubes em São Paulo têm, não penso só no show. Penso em todos os segmentos, afinal o show é 40 minutos, e as pessoas ficam na casa cinco, seis horas. E você levou isso para Brasília agora também.Vou contar a verdade. A gente tentou levar show pra lá no começo, mas quem conseguiu levar mesmo foi nossa parceria de sexta-feira com a Let’s Club. A gente tentou e não deu certo. As pessoas não responderam como a gente esperava. Então você tem que fazer o quê o público gosta. Aí começamos a fazer essa festa de sexta com show e deu certo. A gente tem que dar os méritos para quem merece. Alguns shows vão daqui prontos, outros são produzidos lá. 99% das drags que vão são daqui. Eles são muito competentes, fazem uma festa temática toda sexta-feira, decoram a boate toda. A Blue tem um elenco cheio de estrelas drag queens. Elas estão aqui há muito tempo. Como é essa relação?Vira uma família. Para você ter uma ideia, a mais nova que tem na casa é a Striperella, que está aqui há mais de três anos. É difícil eu dizer por que elas ficam. A gente procura fazer daqui um bom lugar para trabalhar. Acho que elas se sentem valorizadas. Porque você não joga um artista no palco sozinho e fala ‘bate cabelo e se vira, viado’. Não, a gente dá todo o apoio, a estrutura. Tem um palco que gira, um elevador que sobe, um que desce, painel de led. Tem equipe de produção atrás, tem balé, tem figurino. Isso valoriza o trabalho delas.São quantas pessoas para fazer palco girar, bicha subir, luz acender?A Blue é uma família, mas também é uma empresa. Então a gente tem uma equipe de funcionários registrados, com plano de saúde, tudo direitinho dentro da lei. Eu tenho uma pessoa que faz toda essa engenharia de palco, faz girar tudo. Tem o decorador, que é o Alex, que é gerente da casa também. E tem uma equipe que entre coreógrafos, pessoas que montam a parte técnica, deve ter mais de 17 pessoas no total. Só na parte técnica dos shows são seis pessoas. Tem ainda pessoas que filmam, que ficam na cabine... Tem empregos diretos e indiretos, bastante gente sobrevive do trabalho aqui da Blue Space.E tem também essa característica de muito tempo com todos os funcionários?Sim, até mesmo nessa coisa de compras, de gráfica, a gente tenta fidelizar. Porque suponhamos que o cara vem me entregar a bebida e naquela semana eu não tenho como pagar, nunca aconteceu, mas se um dia acontecer eu tenho certeza de que ele deixa a bebida e vem receber depois. Ele me conhece, eu compro dele há mais de dez anos. Se eu precisar da gráfica com urgência eu tenho certeza de que vão me entregar. Fidelizar é muito bom.Isso é muito difícil no mundo da noite onde boate abre e fecha em dois segundos.Mas eu acho que hoje os clubes estão mais estáveis. Nós temos 15 anos, a The Week acho que vai fazer sete, no centro a Danger já tem cinco, seis anos. A Cantho fez três anos. Você vê que os clubes com estrutura vieram e ficaram. Tem que investir. O que não dura muito são aqueles clubinhos de moda. É moda por três meses só. O público que vai em casa que é moda troca de lugar quando surge outro lugar da moda. Acho que tem mais profissionalismo hoje em dia. Cada um no seu segmento está fazendo muito bem, porque o público gay é muito exigente, não aceita mais ter um sonzinho de garagem.Por isso tem que ter palco que gira, bicha que sobe... Já aconteceu algum bafo nessa engrenagem?Já. O palco uma vez parou. Uma das coisas mais legais que aconteceu aqui foi uma vez que a Talessa Top foi fazer um show e era uma música da Marisa Monte. Na época era MD, e o MD é uma fita cassete melhorada. Então parou no meio do show. O pessoal continuou cantando e ela fazendo o número até o final com o balé, isso foi lindo. Já parou o palco no meio, foi uma semana depois da estreia. É mecânico, pode falhar. A cortina uma vez estava subindo e parou na metade. Nós corremos e arrancamos a cortina fora porque o show tem que continuar. O elevador que vem do chão já parou na metade também, o pior é que foi no primeiro número. É mecânico, ao vivo!Tem uma história bem conhecida de quando a Márcia Pantera sofreu um acidente, se mobilizaram pela recuperação dela...Aí já não foi tão engraçado. Essa mobilização foi uma idiotice que um fulano fez pra prejudicar a gente. Aconteceu um acidente com ela. A gente tinha um balancinho que descia do camarote e ela sentou e na hora de mexer a engrenagem ela enrolou o braço no cabo, e não segurou na barra de ferro. A mão dela prendeu na engrenagem. Não conseguia parar aquilo, aí o cabo de aço subiu e a mão dela ficou dentro da roldana. Demorou até a gente perceber o que estava acontecendo com a música alta, o povo gritando. Aí imediatamente ela foi pra Santa Casa e nós demos toda a assistência do mundo para ela, não faltou nada para ela. Mas tem pessoas que se aproveitam da situação para prejudicar os outros. Aí resolveram fazer uma festa beneficente para ela – que não precisava. Não foi ninguém na festa. Hoje em dia está tudo bem, ela continua trabalhando aqui, está tudo ótimo. Foi muito chato, muito triste, a gente não culpa ninguém, mas tentaram usar isso para ferrar com a gente, foi uma coisa pessoal. Me deu vontade de largar tudo vendo a maldade de algumas pessoas. Mas aí passou o tempo, ela foi muito bem tratada, não faltou nada para ela. Foi tudo muito bem feito. Aí fizemos uma festa da volta dela, A Volta da Pantera. E a figura que fez todo o alarde estava no camarote.Tem muito famoso que vem aqui também, não é?Ah, tem muita gente. Cauã, Grazi, Geisy. Tem gente que vem e não gosta de ser fotografada. Nem sei te dizer quanta gente já veio nesses 15 anos. Tem gente que vem disfarçada, tem gente que vem e a gente acaba nem incomodando. Os que gostam de aparecer a gente brinca no show e tudo. Até mesmo o falecido Clodovil quando veio ficou no camarote quieto, ninguém fez alarde. Ele veio para ver o show. Vem também gente disfarçada, mas não posso falar o nome. Vem com boné, cachecol, gola alta. Uma vez a gente tinha programado para a Thalia Bombinha fazer a Wanessa Camargo, na época ainda era Camargo. Com o bonezinho que ela usava e tal. E foi incrível porque a Wanessa estava aqui, pareceu combinado, e não foi. Ela assistiu e adorou. Acho que nessa época ela nem imaginava ainda em trabalhar com música eletrônica.Você estava falando de maldade? Como lidar com egos, com o veneno gay?Olha, veneno é uma coisa que não me atinge porque eu já tomei uma vacina poderosa que é muita oração. Sempre pedindo a Deus para me proteger desses olhos maldosos. O ego aqui a gente tem que administrar, lá fora eu nem saio muito então estou meio imune a isso. Aqui é como administrar um hospício, porque artista tem a sensibilidade à flor da pele, por isso ele é artista. Então você precisa saber entender aquele momento. Tem dia que a pessoa vem aqui e está mais revoltada, às vezes mais feliz. É difícil, mas eu dou um jeito. E trabalha com a gente quem quer, de vez em quando você precisa fazer valer a voz do pai, do patrão, depende do momento, do que está acontecendo. Mas a gente tem umas regras aqui, ninguém fez, mas elas existem implicitamente.Que tipo? Existe uma guerra de drags?Aqui não pode ter fofoca, não pode ter briga, todo mundo tem que se respeitar e se ajudar. Então o que é bacana, pelo menos aqui, é que uma drag ajuda a outra a se vestir, coisa que antigamente não existia não. Agora não tem guerra de drag aqui não. Isso foi sendo construído pela nossa maneira de ser, de tratar. Se eu estou te tratando bem, te ajudando, colaborando, por que você vai estragar o nosso ambiente? É cultivar um lado humano, porque eles são humanos. Eu sempre digo que o show de drag sempre dá certo porque eu sou fã dos shows. Eu gosto de show, eu fico na cabine vibrando quando é legal. Às vezes até exagero nos elogios, mas é porque eu gosto. Mas tem muita gente que gonga, tem preconceito.Tem muita gente que não dá valor a isso, acha que simplesmente bota peruca, se veste de mulher e vai pro palco. Não é assim. Você imagina que se todo mundo colocasse um salto e uma peruca e fosse pro palco não tinha público. Não é qualquer uma. De vez em quando aparece gente aqui dizendo que é drag, que faz show. Não faz show, não sabe nem dublar direito. Até bater o cabelo é uma arte. A transformação é tão fantástica, é arte pura. Todas elas viajam o Brasil inteiro, elas vão para lugares inusitados como Santarém, Rio Branco, Macapá. É impressionante. Já teve algum caso muito grave de violência?Nunca, nunca. Raramente tem, briga, e é daquelas de namorado ciumento. É muito difícil alguém brigar aqui. Não temos histórico de agressão por parte de segurança, por exemplo. Teve um caso muito engraçado que a gente foi na delegacia da qual a gente está subordinado aqui na região e o delegado me pediu para contar onde era essa casa. Ele se perguntava como que tinha uma casa noturna há dez anos na região dele e nunca havia tido uma ocorrência. Eu acho que o gay sai para se divertir, não para brigar. Vem mais 15 anos por aí?Se Deus quiser. Enquanto eu aguentar, porque eu não sou mais criança, mas tem quem continue se eu decidir parar. A gente não sabe quanto tempo dura uma boate. Eu abri a Blue Space com a pretensão de ficar três anos, que é o que durava um clube na época, não durava mais do que três, quatro anos. A Gents quando abriu revolucionou, eu achei que iria durar 50 anos. Acho que foram cinco só. A fila anda. É por isso que todo ano a gente gasta uma grana aqui no aniversário mudando a boate toda. A gente só não muda as pessoas. Led novo, pintura nova, tudo novo. Porque eu posso ficar velho, mas a casa não pode. Mudamos o logo, vamos mudar o site. Você tem que modernizar, mas o conceito continua o mesmo. É legal o público saber que a gente investe o dinheiro de volta nele.
mix

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