Mande suas críticas e sugestões
amigobocaaberta@gmail.com

sábado, 23 de abril de 2011

Crítica: Peça Luiz Antonio Gabriela fala sem maneirismos sobre travestis



Peças sobre o universo das travestis são comuns. Encontrar uma que aborda com seriedade e criatividade um mundo tão complexo e singular não é fácil. Desde que o projeto “Bárbara ao Quadrado” (2006) – que trazia à tona a travesti Bárbara, retirada do livro “Estação Carandiru”, de Drauzio Varella, - ganhou os palcos, não havia aparecido outra peça tão relevante quanto “Luiz Antonio-Gabriela”, em cartaz gratuitamente no Centro Cultural São Paulo.A peça é um acerto de contas do diretor Nelson Baskerville com o irmão Luiz, que se mudou para a Espanha, se tornou uma transformista famosa e morreu em 2006 vitimado por diversas doenças em decorrência do vírus HIV e de ter sido dependente química por anos. E como frisou o historiador Alexandre Mate: “essa obra coloca o dedo na nossa desumanização”.Gabriela nunca mais viu a família, não esteve presente no enterro do pai e ficou sem contato com os familiares por cerca de 30 anos. Natural da cidade de Santos, Gabriela foi discriminada, rejeitada, se prostituiu, apanhou, foi incompreendida, mas parece não ter guardado rancor de nada. Afinal, para ela “a vida é tão curta e a gente fica se dando aos pedaços”.É corajoso o trabalho do diretor, pois para cuidar da ferida aberta ele teve que expor e metamorfosear todo seu passado e seu ressentimento em resoluções cênicas. Com a ajuda de Verônica Gentilin – que interpreta o próprio diretor na peça –, que cuidou da parte dramatúrgica, a Cia. Mungunzá oferece ao público uma encenação tocante, sensível, criativa e contundente.Não há excessos da direção de Baskerville, todos os elementos parecem querer quebrar o relato emocionado e clichê da travesti coitada e maltratada. Não, Luiz Antonio Gabriela é antes de tudo um guerreiro, defendeu-se como pode e mesmo com as adversidades não se arrefeceu. Não deixou de ser quem era. O cenário do diretor em conjunto com Marcos Felipe quebra com a narrativa linear e qualquer rastro de realismo. É tudo mentira, embora seja tudo verdadeiramente real.Atente-se para as cenas de sexo entre os irmãos, é uma das mais belas já realizadas em cena para relatar o famoso troca-troca. A paranóia que Baskerville cultivava na infância ao ser possuído pelo irmão seria cômica se não fosse trágica. Afinal, você já viu um homem soltar leite?Marcos Felipe, o intérprete de Gabriela, tem uma composição sutil e cativante. Em cima do salto alto imaginário e com um olhar sempre lascivo e frágil, o ator consegue transpor - sem os maneirismos comuns em atores que interpretam mulheres – o drama da personagem sem pieguice, ou sentimentos de dó.É um trabalho de fôlego do grupo. Um belo trabalho, diga-se de passagem. Diria obrigatório. Se expor como fez o diretor é para poucos. Ainda mais num mundo onde carecemos de pessoas que realmente sejam corajosas e levem ao pé da letra o sentido da palavra “autoral”. O documentário cênico de Baskerville é real e pulsa dentro do expectador que não se contém ao final do espetáculo.O espetáculo encerra as apresentações gratuitas no próximo sábado, 23, e volta ainda neste semestre no Galpão do Folias, localizado no bairro de Santa Cecília. Os ingressos podem ser retirados antecipadamente na bilheteria do Centro Cultural. E é possível formar uma fila de espera antes das apresentações. Para quem se interessa por assuntos do universo LGBT, não há nada mais contundente, nos palcos da cidade do que “Luis Antonio-Gabriela”. Imperdível.“Luis Antonio – Gabriela” – até 23 de abrilQuarta a sábado, às 21h Centro Cultural São Paulo: Rua Vergueiro – 1000 (estação Vergueiro do Metrô)Tel.: (11) 3397-400Entrada franca.


cultura gls

Nenhum comentário: